segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Proibir a expulsão de aluno não é incentivar a indisciplina

Mais uma vez uma discussão importante e essencial é atacada por discursos simplórios, recheados de achismos e que brinda com o senso comum.
O debate sobre a proibição da expulsão ou suspensão de alunos das escolas gaúchas foi a bola da vez. O tema, que está sendo discutido pelo Conselho Estadual de Educação, órgão colegiado composto por professores, governo e comunidade escolar, saiu do debate técnico e caiu na vala comum das respostas fáceis.
A resolução, que seria votada na manhã de hoje (06) mas foi retirada de pauta, previa que não cabe à escola definir a transferência compulsória de qualquer discente, obrigando-o a deixar de estudar em determinada instituição ou a estudar em outra. 
            Em resumo. O dever da escola é ensinar. Educar é responsabilidade da família, sociedade e instituições. Punir é com a justiça.
            Os críticos da proposta dizem que isso estimularia o aluno violento, sentido-se impune, continuará praticando atos violentos. Outros, como o vice-presidente do sindicato das escolas particulares, Osvino Toillier, "Isso é uma intervenção no sistema que tira a liberdade constitucional da escola privada". Na visão dele: minha escola, minhas regras. Independente do resto do Brasil.
Na verdade a propostas não garante impunidade. Isso é um argumento falso. Ela impede a arbitrariedade. Se o aluno cometer um ato violento, a escola tem o dever de chamar o Conselho Tutelar, que encaminhará o caso ao poder judiciário, que poderá encaminhar o aluno ao cumprimento de medida socioeducativa.
            As escolas já fazem isso. Acontece que a expulsão não necessita de provas. Não necessita do contraditório, nem da defesa. Basta a vontade do diretor. É por isso que já existem casos onde alunos expulsos foram reintegrados à escola.
            Em 2012 o Tribunal de Justiça de São Paulo revogou uma transferência compulsória, mudança semântica para expulsão, de um aluno da rede pública estadual. Na sentença o juiz afirmou: "optou-se pela solução mais cômoda, sem atentar para as necessidades sociais e psicológicas do estudante, que se mostrou de difícil convivência. É citado ainda que ele mora com o pai - viúvo, trabalhador boia-fria e sem estudos -, o que parece ter sido ignorado. A transferência compulsória se tornou uma expressão dissimulada para a expulsão de alunos, em geral, sem que a escola busque alternativas pedagógicas e apoio de outros órgãos para resolver a situação".
Em um artigo  publicado por Valéria Teixeira de Meiroz Grilo e  Sylvio Roberto Degasperi Kuhlmann, ambos Promotores de Justiça do Paraná, afirmam que "a punição máxima de exclusão da escola implica na criação de uma condição não autorizada por Lei, isto é, a condição de criança expulsa ou transferida compulsoriamente". Ou seja a expulsão é ilegal. 
Em outro trecho do artigo os promotores derrubam a tese de que o Estatuto da Criança e do Adolescente apenas criou direitos e não impôs deveres. Eles afirmam: "O Estatuto apenas veda o autoritarismo, mas não subtrai dos educadores, em nenhuma circunstância, a possibilidade de exercício da autoridade. Aliás, frise-se, é direito das pessoas em formação receber os limites necessários para torná-las aptas à vida em sociedade. Com estes dados, é perfeitamente compreensível o que significa desrespeito aos direitos dos alunos". 
Paradoxalmente o discurso do senso comum foi alardeado pelo grupo, e não só por ele, que adora fazer campanhas em prol da educação. O assunto rendeu páginas da Zero Hora e seus veículos satélites. Parece que para o grupo de comunicação educação é só discurso para vender jornal.







DISCIPLINA EM DEBATE

Norma  prevê que escolas do Estado não possam expulsar  alunos. :  Conselho Estadual de Educação analisa parecer que impediria afastamento como punição por indisciplina na rede pública e privada de ensino básico. (por Guilherme Justino*Atualizada em 06/08/2014)

 Um parecer em análise pelo Conselho Estadual de Educação (CEED) causa polêmica entre as entidades de ensino. Está sendo debatida uma norma que impediria as escolas de suspender, afastar ou expulsar alunos, mesmo os envolvidos em transgressões disciplinares. A proposta, que ainda é estudada e debatida pelo órgão, defende que o direito do aluno de estudar não pode ser revogado por nenhuma instituição de ensino, tanto privada quanto pública.

A norma prevê que não cabe à escola definir a transferência compulsória de qualquer discente, obrigando-o a deixar de estudar em determinada instituição ou a estudar em outra. Tal resolução seria aplicada em todos os casos, independentemente de o estudante ter histórico violento ou como infrator, dentro ou fora da escola. Caso o parecer seja aprovado, a instituição fica responsável por lidar com casos de indisciplina de outras maneiras.
Representantes do CEED acreditam que, assim, fica evidenciado o papel pedagógico das escolas. Em vez de recorrer à suspensão ou expulsão, com base em um regimento interno, caberia a todas as instituições de Ensino Fundamental Médio atuar na prevenção e solução de casos onde hoje podem ser aplicadas medidas punitivas extremas. Assim, um jovem que infrinja regras ou apresente mau comportamento em sala de aula e nas dependências da escola teria de ser tratado pela própria instituição.
— O parecer, no geral, propõe que sejam votadas todas as possibilidades de inserção do aluno dentro da escola. Em casos extremos, quando ele é considerado violento, por exemplo, não cabe à escola puni-lo, mas resolver os problemas ou encaminhar esse jovem a outras esferas, ainda que sejam a policial ou criminal — defende Berenice Cabreira da Costa, presidente da ACPM-Federação, que reúne associações de pais e mestres do ensino público no Estado.
Representantes das escolas particulares contestam a norma. O Sindicato do Ensino Privado (Sinepe/RS) defende que ela tira a autonomia das escolas para aplicar medidas disciplinares. O vice-presidente do sindicato, Osvino Toillier, ressalta que a suspensão ou transferência de um aluno só é aplicada em casos extremos, que são mínimos, e argumenta que o ato punitivo também é pedagógico.
— Isso é uma intervenção no sistema que tira a liberdade constitucional da escola privada. Consideramos inadmissível, pois é preciso haver, na questão pedagógica, definição de limites disciplinares em algum lugar — afirma Toillier.
Ele demonstra especial preocupação com casos de agressão a professores e vandalismo de alunos que, mesmo transgredindo normas, permaneceriam na escola. O professor explica que, em casos extremos, as instituições de ensino básico teriam de recorrer ao Conselho Tutelar ou, caso haja violência, à polícia — transferindo as decisões para órgãos externos. Atualmente, o que se faz é conversar com a família para definir como proceder.
Conselheiros ainda estão divididos
A presidente do Conselho Estadual de Educação, Cecília Farias, acredita que a norma faria sobressair a função pedagógica de quem ensina. Ela explica que não há uma posição definitiva no órgão, e que a polêmica tem dividido os representantes. Cecília defende que a escola não pode ser uma instituição punitiva, mas deve investir na solução dos problemas dos alunos para mantê-los na escola.
— Esperamos que a escola trabalhe esse estudante que hoje pode ser expulso, e que isso não fique só por conta do professor, como tem acontecido. É necessário promover todo um trabalho com os pais e, se necessário, também chamar outros profissionais, que possam auxiliar para transformá-lo — avalia Cecília, que também é diretora do Sinpro/RS.
A proposta surgiu a partir de um questionamento do Ministério Público ao Conselho, perguntando se a transferência compulsória de alunos pode mesmo ser uma prerrogativa das escolas. A discordância sobre o assunto dentro do órgão, principalmente a respeito da possibilidade de punir alunos, tem adiado a votação das normas há mais de um ano.
O que diz a norma
Caso o estudante transgrida normas disciplinares, deverá haver acordo entre ele, seus pais e a escola sobre como proceder.
Psicólogos e especialistas em educação terão de ser acionados para avaliar e resolver problemas no comportamento dos alunos
A suspensão ou expulsão do estudante, ainda que hoje somente aplicada em casos extremos, passa a não ser mais tolerada.
A proposta ainda não é definitiva e será rediscutida na quarta-feira(06/08/2014)

Repensar e mudar
Na visão da psicóloga e doutora em Educação, Suzana Feldens Schwertner, punir com expulsão ou afastamento não dá ao aluno indisciplinado a oportunidade de repensar, rever e mudar seu comportamento. “Trata-se, muitas vezes, apenas de uma transferência de responsabilidade”, considera. 
            Para ela, o afastamento não surte efeito se o acontecimento que levou à punição não for debatido e pensado em  conjunto pelos alunos, professores, pais, responsáveis e pela comunidade escolar. “Orientação é sempre a melhor saída, quando não é a única. Nosso papel, como adultos, é o de sermos mediadores e sustentarmos um lugar de escuta e de atenção aos estudantes, com toda a carga que eles trazem para a escola hoje.”
            Psicólogo e psicoterapeuta, Gustavo Wickert também não vê a expulsão de alunos como um recurso pedagógico. “A única coisa que um adolescente aprende ao ser expulso de uma escola é que ele não é desejado.” Estudantes que chegam ao extremo de serem recusados por uma escola, enfatiza o psicólogo, também passaram por um longo processo de rejeição que teve início nas relações familiares.
            Ele acredita que a norma debatida pelo Conselho vai ao encontro dos esforços por uma escola mais inclusiva e humana. “Se uma criança ou um adolescente é agressivo, precisamos, urgentemente, evitar que essa agressividade se perpetue. O segundo passo é sinalizar a esse aluno que existem outras formas de se expressar”, pondera.
As causas da indisciplina
Psicóloga e doutora em Educação, Suzana Feldens Schwertner, aponta uma série de causas que podem levar à indisciplina no âmbito educacional. Dentre eles, a desvalorização do papel dos professores – por pais, alunos e, até mesmo, por colegas de profissão. Ela também observa que os estudantes são desmerecidos naquilo que conhecem e que trazem como experiência de vida. 
            Suzana menciona, ainda, o descaso dos órgãos públicos com a estrutura e os investimentos na escola, além da falta de espaço e tempo para a produção de outras formas de ensinar e aprender, que levem em conta todos os participantes do processo de educação. “A escola, muitas vezes, acaba sendo o único espaço de expressão e de proteção para uma infinidade de estudantes e primeiro lugar de aprendizagem no que tange às regras.”
            O psicólogo e psicoterapeuta Gustavo Wickert atende crianças de escolas das redes estadual, municipal e particular, além de atuar no treinamento de professores de escolas municipais. Ele explica que crianças e adolescentes comunicam o que sentem por meio de seus atos. “Eles reagem ao que lhes é ensinado, aprendem e reproduzem o que aprendem.” No entendimento de Wickert, compreender esse comportamento implica levar em conta o contexto no qual as crianças e adolescentes estão inseridos.
O que muda?
            Se a norma for aprovada, a presidente do Conselho Estadual de Educação (CEED), Cecília Maria Martins Farias, explica que os professores não precisarão passar por qualquer tipo de treinamento para lidarem com a indisciplina dos discentes. “Na verdade, essa tarefa já é desempenhada pela escola. Estamos insistindo para que a disposição de se trabalhar com esse tipo de aluno seja recuperada”, ressalta.

            Segundo a coordenadora regional de Educação, Marisa Bastos, as escolas públicas estaduais da 3ª Coordenadoria Regional já seguem essa linha de trabalho. “Está na legislação e no nosso plano político-pedagógico”, relata. Ela destaca que as normas escolares devem ser discutidas e elaboradas com a participação de todos os segmentos escolares e estar em consonância com a legislação – o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB).
            “Recuperar e incluir o aluno indisciplinado é e sempre será o objetivo da escola, seja pública ou privada”, salienta Marisa. Ela chama a atenção para o fato de que um estudante pode ficar afastado – “por um ou dois dias, dependendo do caso, para assegurar a organização disciplinar da escola” –, mas que sempre lhe será concedido o direito de recuperar o conteúdo que perdeu.

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